domingo

Episódio 4

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A água do chuveiro corre. A água do chuveiro lava-o. A água do chuveiro escorre pelo seu corpo. O vapor enche a casa de banho. A cortina da banheira está corrida, mas não totalmente, e o chão enche-se um pouco de água.
- Merda.
Desliga a água, pega na toalha, e limpa-se. No corredor, ouve-se:
- Porquê?
Ele salta. Percebe que vem aí sarilho. Vêm aí perguntas, e mais perguntas. Porque é que me deixaste, porque é que me pediste desculpa, não me amas... Sabe Deus as perguntas que aí virão.
- Eu só quero saber uma coisa. Pensaste em mim ou nela?
- Em ti.
E ele nem pensou duas vezes na resposta. Não precisou.
- Sabes? Fui eu que escrevi a nota que estava na porta da casa de banho. - Agora tudo faz sentido na cabeça dele. De facto, elas tinham formas de escrever parecidas. E ele deve ter confundido. - Mas causei o efeito que queria. Se ela estivesse viva, e soubesse do que se passou esta noite, ter-te-ia dito isso.
E a porta de casa é fechada com força. E ele aterra no chão da casa de banho. Agarra na embalagem de gel de banho da Vasenol e atira-a contra o espelho. O espelho parte-se, e ele pensa "boa, ao menos agora vou ter 7 anos de azar. Ao menos uma boa notícia!". Mas... Espera. Como é que ela tem a chave de casa dele?
Corre para o quarto, e escorrega, batendo violentamente com a cabeça na parede. O chão mancha-se de sangue. E ali fica ele, algumas horas, inanimado.
Por fim, acorda. Leva a mão à cabeça e segue para o quarto. Pega no telemóvel e liga-o. Telefona-lhe. Pergunta: "Como é que tinhas a minha chave de casa", por mensagem. Aguarda. O telemóvel vibra de novo. "Foi ela que mas deu.". Ele pergunta: "Porquê?". Ela responde: "Sinceramente? Para o caso de não chegares a tempo. Ela programou tudo ao segundo. Ela queria mostrar-te que te amava verdadeiramente, que era capaz de correr riscos por ti. Mas acabou por correr mal. Acabaste por não chegar a tempo. E eu amo-te, mas amava-a mais a ela. E agora odeio-te. Odeio-te por a teres deixado morrer e por teres vindo a correr para os meus braços. Odeio-te por me teres derretido ainda mais, e teres-me deixado sem opção a não ser deixar-te entrares em mim. Odeio-te, e sei que esteja onde estiver, ela também te odeia a ti. (...)".
É verdade. Ele foi horrível. Ele foi fatal. Em todos os sentidos. E deita-se sobre a cama, ainda nu, e fecha os olhos. Lembra-se da conversa.
- Eu dava tudo por ti. A minha vida, tudo o que tenho. A minha mota. A minha guitarra. O meu iPod. Dava-te a ti, por ti. - disse ele.
- Eu também dava tudo por ti - disse ela.
- Shhhh - faz um sinal com o dedo perto da boca - eu não quero que dês nada por mim. Não precisas. Eu só quero é que sejas feliz.
E ela quis mostrar-lhe que também era capaz de dar tudo por ele. Tudo. E deu. Deu o amor deles, deu  a vida dela. Deu a vida dele. Porque ele agora só quer é morrer.
Veste uma roupa qualquer que selecciona aleatoriamente do roupeiro e dirige-se à varanda da mini-sala. Abre a janela e atira-se. E morre.

(Continua)

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