domingo

Episódio 3

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Os seus passos estão tão desengonçados que várias vezes o seu corpo balança para os lados, como se ele estivesse bêbado ou algo do género. Verdadeiramente, ele não está bêbado. E isto não é um sonho. E ele lamenta-o. Lamenta ter cometido um erro fatal. Lamenta ter cometido tal deslize.
As pessoas na rua olham-no de lado. Será um vagabundo? Será um marginal? Será que está de ressaca? Será que se drogou? As pessoas questionam-se, mas nenhuma sonha, sequer, o que aconteceu realmente. Ele mergulha, por fim, a mão no bolso (o que assusta algumas das pessoas que o olhavam naquele momento) e de lá, do fundo do bolso, tira o iPod. Procura algo. Procura algo que o faça sentir ainda pior do que já se sente. E é então que encontra: a música que os uniu. A primeira música que tinham alguma vez ouvido juntos. "You've applied the pressure, to have me crystalised". E a letra fazia sentido há umas horas, mas naquele momento ele já não se sentia cristalizado, nem tão pouco petrificado. Sentia-se um pedaço de gelatina estragada.
Caminha mais uns metros e chega ao seu prédio. Remexe nos bolsos. Papéis de pastilhas, embalagem de preservativo, chaves da mota... e cá está, por fim, as chaves de casa. As chaves que abrem e fecham portas, mas que os mistérios apenas fecha. E a noite que passara era um mistério. O que é que lhe tinha passado na cabeça? Porquê trair o amor da sua vida?
Sobe os degraus 3 a 3. Chega ao 3º andar, anda 6 metros em frente e 1 para a direita. Enfia a chave na fechadura, e o seu telemóvel vibra. Está no silêncio. Ao menos isso, há silêncio, e ele consegue ouvir-se a pensar. "Será que é a minha mãe? Será que é ela, a pedir-me explicações? Será que é o meu irmão?". Infelizmente, é a hipótese do meio. Ou pelo menos é ela. Ele rejeita a chamada, tira a capa do telemóvel e remove a bateria. Entra em casa. Silêncio. Não há um "amor, és tu?". Não há ninguém a correr para os seus braços. A casa está deserta. Porque de vez em quando ela ia lá. Dormir, estar com ele, tantas outras coisas. E, infelizmente, ninguém lavou a pilha de loiça que está acumulada no lava-loiça há já 10 dias. As moscas circundam o saco do lixo. Um fedor enche a cozinha.
Corre para o quarto. Tira a roupa, e começa a ir em direcção à casa-de-banho, mas pára à entrada da mesma. Não ia tomar banho no mesmo sítio onde tomara antes, tanto sozinho como com o amor da sua vida. O amor que morrera há 15 dias. Aquela que o tinha visto como alguém especial. E surprise surprise. Olha para a porta da casa-de-banho e está lá um papel. Diz: "Eu quero é dizer-te: Não desistas de mim. Não te percas agora". Que raio? Que aconteceu? A letra é dela. Mas... mas... Que aconteceu? Não pode ter sido ela! Ela está morta!
- Não, tu estás louco, estás com alucinações.
E mergulha no chuveiro.

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