quinta-feira

«És especial. És a orquídea com o caule mais doce, as pétalas mais bem cheirosas. És a rapariga com os cabelos mais luminosos, as mãos mais bonitas, a voz mais doce. És tudo o que quero, e quero ser tudo o que tu queres, quero passear contigo à beira-mar, de dedos entrelaçados e corações amarrados. Quero mostrar-te que as estrelas olham por nós, por tu e eu, e têm o champagne pronto para a festa, os balões cheios com hélio presos, os foguetes prontos a ser lançados. Quero dar-te a conhecer o mundo que quero conhecer contigo. Quero-te, e quero que tu me tenhas. Quero aconchegar-te bem e dizer que tudo está bem porque eu te adoro mais do que tanta coisa, e ler-te poesia até adormeceres. Quero ver-te dormir, e ver-te a acordar e sorrires-me e dizeres: "Adoro-te".»

Excerto do texto perdido. É giro, já te vi dormir, vi-te a acordar e dizeres-me: "Adoro-te".

Episódio 5

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"Those who are dead are not dead, they're just living in my head". A música começa. É engraçado, porque nunca fizera tão sentido na sua cabeça. Olha para o ecrã do telemóvel, confirma que está mesmo a dar essa música e não está com alucinações. "42 - Coldplay". Não, não está a associar pensamentos a pesadelos.
Ele olha pela janela. Pensa no amor da sua vida. Numa noite sonhou tanta coisa impensável, tanta alteração da realidade. Eles juntos, eles a separarem-se. Pior a segunda que a primeira.
E chega, chega ao destino. Sai. Corre. Perna direita, perna esquerda. Tropeça, não cai, desequilibra-se, recompõe-se, segue caminho. Corre mais um pouco, cada vez mais rápido. Transpira. Suor é projectado  com a tecnologia 360º. Passa os semáforos para peões no vermelho. Chega. Chega de correrias. Lá estão eles a sair do comboio. Vêm todos. O irmão, que vive com o pai noutro ponto do país, vem com a sua namorada. A melhor amiga, que vem com o melhor amigo dele, namorados. O rapaz dos óculos. Todos têm um ar triste.
- Desculpa, mano. Há uma coisa que deves saber - diz o irmão. Faz uma pausa. Prossegue - temos más notícias.
Aquele rapaz igual a tantos outros, mas especial nesta história, o ele, sente as lágrimas a vir aos olhos.
O rapaz dos óculos quebra o silêncio:
- Ela foi atropelada. Está no hospital, em coma.
Eu estava lá, nesse dia. Observava tudo, do meu cantinho. Era apenas um rapaz não tão importante nesta árvore de amizades. E ainda hoje, 5 anos depois, juro a quem me ouve contar esta história vezes e vezes sem conta, que ouvi algo nas pernas dele, talvez as rótulas, a quebrar. *Poc*. Acho que o tempo parou naquele momento. Nunca o tempo tinha parado para esperar pelas pessoas. O filme do Benjamin Button não é nada. Aquele momento vai ficar para sempre gravado na minha memória. Aliás, sinto que foi ainda agora que tudo aconteceu. O irmão dele e a namorada, a correrem a abraçá-lo. O melhor amigo e a namorada, a correr, a abraçá-lo. O rapaz dos óculos, a ficar sem saber o que fazer. E foi aí que eu me tornei amigo deles. E é por isso que eu hoje posso dizer que fiz alguma coisa de jeito na vida.
- Levanta-te, limpa a cara, compra bilhete e vai ter com ela.
- Mas eu não tenho dinheiro. - disse-me ele, com as bochechas rosadas.
- Pega.
Ofereci-lhe dinheiro. Ele quis pagar-me, mais tarde, mas eu não aceitei. Pedi aos meus pais, eles foram buscar-me e compreenderam.
- Obrigado, mesmo muito.
E lá foi ele. Correu para a bilheteira, de lá para o comboio que estava para partir, no sentido inverso ao que nós tomáramos, e deixou tudo para trás. Mochila, mala da roupa. Amigos. Deixou tudo para trás. Deixou tudo para trás. Deixou tudo para trás.
Ainda bem que tive essa ideia. Porque ele deixou tudo para trás. Quem ainda duvidava dele, quem ainda não o levava a sério passou a fazê-lo a partir desse dia.
E ele lá esteve, junto dela, a agarrar-lhe na mão, com os pais dela, com aquela amiga dela. Até ela acordar. E perguntar por ele.