sexta-feira

Short story number one - Roberto and the gun

- Por favor, deixe-me escrever uma carta de despedida! - implorou Roberto, abraçado às pernas do sequestrador, que segurava firmemente a arma. Roberto estava em casa, sozinho, quando um homem tocou à campainha, afirmando ser um técnico do gás. Na realidade, este homem queria reaver o dinheiro que o pai de Roberto lhe devia. Mas o seu pai, que já tinha voltado a casar após o divórcio com a mãe do rapaz de 16 anos, vivia há muito tempo longe, e Roberto viu-se com uma arma pronta a rebentar os seus miolos, por causa dos erros do pai.
- Já te disse que não.
Apesar da resposta negativa, Roberto levantou-se, dirigiu-se à gaveta, pegou numa folha de papel, numa caneta, sentou-se à mesa de jantar, puxou a toalha para trás e começou a escrever:

"Querida Mariana,
Escrevo-te esta carta porque nunca tive oportunidade de te dizer isto.
Hoje, provavelmente, vou morrer. Está um homem em minha casa, com uma arma apontada à minha cabeça, e eu não consigo morrer sem te contar tudo o que sinto por ti.
Podemos não nos conhecer assim tão bem quanto eu queria, ou até como tu quererias, mas a vida às vezes priva-nos das coisas que mais desejamos. Em especial uma: o amor.
Quando éramos pequenos, e as nossas mães falavam, eu olhava para ti apenas como uma rapariga. Depois, há uns meses, quando nos voltámos a encontrar, quando entraste no self-service com a tua mãe e envergavas aquele vestido cinzento claro, que realçava, estranhamente, os teus olhos negros, sobre o qual se pousavam os teus cabelos. Nesse momento, tudo à minha volta parou. E à tua também. Fixamos o olhar um do outro. Eu olhei para os teus olhos, e eles brilhavam intensamente, como duas estrelas. E por detrás desses olhos, só via paz interior, felicidade, beleza. E eu soube naquele momento que não conhecia nada de ti, mas te conhecia por completo.
Algumas semanas depois, quando voltei ao mesmo self-service, desta vez acompanhado pela minha mãe, tu estavas na fila, a pedir. E eu olhei de novo, para ti. Não me lembro o que vestias nesse dia, mas sei que estavas linda. E a minha mãe virou-se para a tua e soltou um olá. Nada mais que um olá. Porque elas já não tinham a mesma intimidade de outrora.
Enquanto escolhias as costeletas com arroz, eu mirava a tua doce pele branca. O teu cabelo crescera cerca de 2 centímetros e continuava com o mesmo brilho de sempre. Enquanto a tua mãe escolhia a comida, foi a tua vez de me olhares com os teus pequenos olhos doces.
Desta vez, enquanto almoçávamos, foste tu que ficaste de costas para mim., e não o contrário, como da primeira vez. Como tal, foi a tua vez de rodares o pescoço de vez em quando para me veres.
Tanto a tua mãe como a minha deram conta do que se estava a passar. Alguns dias depois, a minha mãe ligou à tua, e convidou-te para vires cá a casa. Vieste com a tua mãe, e lanchámos todos 4. Depois, as nossas mães foram para a sala e deixaram-nos a conversar na cozinha. Eu perguntei-te como estavas e tu disseste que estavas bem. Eu perguntei-te porque estavas com os olhos tristes e tu disseste que estavas bem. Como eu sabia que mentias, e não te queria ver triste, levantei-me da mesa e dirigi-me ao meu quarto. Atirei-me para cima da cama e desatei numa choradeira. tu foste atrás de mim, sentaste-te na minha cama, ao pé de mim e disseste: "Porque estás assim?" e eu respondi: "Por tua causa". Tu: "Mas... tu nem me conheces". Eu: "Mas sei tudo sobre ti. Os teus olhos dizem-me tudo o que preciso de saber". Aí, tu baixaste a cabeça e disseste: "Eu só te quero comer, nada mais, Roberto. Desculpa".
Aquilo, ao contrário do que estavas à espera, não foi uma facada. Porque eu respondi-te: "Eu não quero saber, Mariana. Eu não quero saber. Eu amo-te, e se tu só me queres comer, eu vou-me sentir bem, porque tudo o que quero é sentir o teu sabor na minha boca. Tudo o que eu quero é um beijo teu. Nada mais."
Tu levantaste a cabeça e disseste:
"Nunca ninguém me tinha dito algo assim, sabes? E eu já tinha percebido pelos teus olhos que eras diferente. Mas isto não era um teste. Eu só te quero mesmo comer. Mas..." respiraste um pouco "eu não sei se quero perder alguém como tu. Agora não sei o que quero."
Eu avancei para a tua boca e beijei-te. Depois de alguns segundos, parámos com a tua mãe à porta.
Disseste: "Vamos, mãe? Adeus, Roberto."
E foste embora, levando na memória aquele beijo, enquanto me deixavas a pensar no mesmo.
Hoje, pela terceira vez, vinhas cá a casa. Hoje era o dia... em que eu te ia pedir em namoro.
Sabes, Mariana? Amo-te. E foi amor à primeira vista. Porque a última vez que te tinha visto antes de agora, foi quando ainda eras uma pequena criança de 6, 7 anos. Agora, estás diferente, e eu vou perder-te. E tu a mim. Como não querias.
Sempre teu, Roberto."

Na realidade, Rodrigo apenas escreveu a carta mentalmente, pois no momento em que se levantou, o homem deu-lhe um tiro, na zona do abdómen, enquanto o deixou ali no chão, para morrer, alucinando.
Entretanto, chegou a sua mãe, com Mariana. Roberto ainda estava vivo. Mariana correu para Roberto, mais depressa que a própria mãe, viu os olhos de Roberto fecharem e disse-lhe:
- Roberto, não morras agora. Eu amo-te...
Roberto não morreu. Mas podia ter morrido. Sem dizer ao amor da sua vida que a amava.