quinta-feira

Slow Motion Story 3 - Em branco

Eu não costumo contar histórias de "era uma vez", mas esta história vai ser excepção e vai se de "era uma vez".
Porque era uma vez dois meninos, um rapaz, uma rapariga. Dois meninos, um rapaz, uma rapariga. Três meninos, dois rapazes, uma rapariga. Três meninos, um rapaz, uma rapariga. Dois meninos, um rapaz, uma rapariga. Dois meninos, um rapaz uma rapariga. 2, 3, que importa? Tudo. E, na realidade, não eram só estes que pertencem a esta história. Eram vários. Um emaranhado de fios de lã, à procura uns dos outros. Um emaranhado que desejava ser emaranhado, mas na realidade os fios de lã estão lado a lado, paralelos.
Mas isto é uma história. Uma história de era uma vez, onde quase tudo é perfeito, mas nunca o é na totalidade, porque a perfeição não existe, nem nas histórias de era uma vez. Histórias de era uma vez, ó histórias de uma vez, oh. E assim se escreveu esta história de era uma vez, ao som de uma melodia inacabável. Como quem constrói uma casa, mas não encontra forma de construir o tecto.
Vamos restringir-nos a dois rapazes. E dois senhores. Um rapaz, uma rapariga, um senhor, uma senhora. O senhor e a senhora formavam um casal. O rapaz e a rapariga não. E era uma vez um rapaz, que por causa de o senhor ter que ligar à senhora, que estava no hospital, para saber como ela estava, chegou atrasado. E ela estava lá, a espreitar por todos os lados onde poderia o rapaz estar. E ele, ao vê-la, porque ele procurava-a como uma criança procura o Wally, pensa: "Oh merda, ela já está a pensar o quão parvo eu sou por ter chegado tarde. E a culpa não é minha, mas eu sinto-me culpado à mesma. Fogo!".
Enganou-se, ele? Enganou. Porque nas horas seguintes abraçou-a, levou-a onde ela precisava de ir, lavou-lhe as mãos, deu-lhe miminhos. Riu-se com ela. Encostou-se a ela. E ela a ele. E agarrou-lhe nas mãos,  firmemente, após ambos falarem, na brincadeira, sobre a morte dela. E ele disse-lhe: "Tu não podes morrer". E nunca algo lhe tinha dado tantos calafrios horríveis, dor no peito, peso na cabeça. A ideia de ela morrer era absolutamente impensável. A ideia de ela morrer era impossível. Porque ela tem vida infinita. Ela vive em god mode, como se diz nos jogos de guerra. E ao fim do tempo, ele diz-lhe: "Não te quero deixar. Não acredito que amanhã tenho que me ir embora." (silêncio) "Quem me dera poder ficar aqui contigo para sempre". Para sempre, para sempre, para sempre, para sempre, para sempre. Para sempre era o que ele desejava. E lá no fundo, ele sabe que ela também. Porque eles adoram abraçar-se.
E era uma vez, um rapaz e uma rapariga, que anseiam o 21/12/2012. Porque nesse dia, supostamente, acaba o mundo. E eles decidiram que vão-se abraçar, e ali ficar até ao fim. Até não poderem fazer mais nada. 21/12/2012. Eles prometeram-se que, nesse dia, vai ser tudo perfeito, e a vida vai fazer sentido, com o maior abraço de sempre. Porque eles adoram-se.
E quando a humanidade voltar a reinar o mundo, alguém irá escrever uma slow motion story sobre eles, sobre aquele momento.

quarta-feira

Episódio 6

Episódio anterior

Ele estava lá, a olhar para ela, sem dormir, tomar banho e sem comer nada de jeito há duas semanas. O corpo dela, suspenso na maca, agarrado a máquinas e soros, e ela ouvia e sentia, inconscientemente, a música que ele tinha posto, para a manter viva. "No I don't wanna battle from beginning to end; I don't wanna cycle, recycle revenge; I don't wanna follow death and all of his friends."
Só ele lá tinha ficado sem arredar pé. Os pais dela, a amiga, e agora também o irmão dela, tinham ido comer, dormir, tomar banho, a casa. E ele lá ficava. Dia e noite. Ao lado dela. Ao fim de duas semanas, com a barba por fazer e o cabelo desgrenhado, foi finalmente convencido a ir a casa dela tomar banho e comer qualquer coisa quente e que o alimentasse, e não o pão e água que havia sido habitual.
- Vem a nossa casa. Tomas banho e eu faço-te qualquer coisa para comeres - disse a mãe dela.
E ele disse que não, e insistiu, mas ela foi mais persistente que ele. Até porque ela tinha claramente mais forças que ele.
- Eu fico cá, com ela - disse o pai dela.
E lá foi ele, sem imaginar que seria ao fim de duas semanas que ela iria acordar. Estava ele a tomar banho e a mãe dela bate à porta da casa-de-banho.
- ..., ela acordou!
Ele desligou a água, ainda com um pouco de shampoo no cabelo. Secou o cabelo rapidamente e enrolou-se na toalha. A mãe dela bateu à porta.
- Posso? - após resposta afirmativa entrou - acho que isto te serve. É do irmão dela, mas parece-me que é da roupa maior que ele tem.
- Obrigado.
Vestiu-se num ápice, e precipitou-se para a porta da saída.
- Não comes nada? - questionou-o a mãe dela, com um sorriso de quem já sabe qual vai ser a resposta.
- Não.
Abriu a porta, desceu as escadas a correr, dirigiu-se para o carro da mãe dela, esperou que esta o abrisse, e entrou rapidamente.
A ânsia era tanta. O corpo dele tremia todo, de alto a baixo. Ontem ele perguntava-se quanto mais tempo iria ter que esperar para ela acordar, para lhe sorrir, e ele abraçá-la como quem abraça o mundo, e depois dizer-lhe que estava tão feliz por ela estar bem. Sim, porque ele sabia que ela ia acordar. Porque ele não a podia perder. Não como no pesadelo de há umas semanas.
Chegou ao hospital, entrou, comprou umas orquídeas e partiu para o quarto onde ela estava. Entrou., sem fazer barulho. O irmão dela e o pai encontravam-se junto a ela. A amiga também estava lá, a sorrir-lhe. E ele saiu um pouco. E ficou lá fora, a ver aquele momento. Entretanto chegou a mãe.
- Não entras?
- Já entro. Vá entrando, que neste momento ela precisa da família.
E a mãe dela obedeceu, então. E a primeira coisa foi dizer à filha que ele estava lá fora. Entreabriu a porta e disse-lhe:
- Entra. Ela quer-te aqui. Agora.
E ele entrou, com as orquídeas escondidas atrás das costas, com um sorriso de dentes bonitos e direitos. Um sorriso que dizem ser de orelha a orelha. Mostrou-lhe as flores, pousou-as numa das cadeiras e abraçou-a. E disse-lhe:
- Ai de ti se me deixasses. Ai de ti se partisses sem mim.
E ela sorriu-lhe, e abraçou-o mais do que sempre.