quarta-feira

Matilde

Recentemente descobri que as saudades são duras, que a distância não aproxima as pessoas, que por mais que desejemos estar perto de alguém, por mais que fechemos os olhos e desejemos aquilo que queremos ver à nossa frente (como nos mandavam fazer quando éramos crianças), aquilo que desejamos poder abraçar e acarinhar quando até nós precisamos de uns miminhos.
Sempre me disseram que se quisermos muito uma coisa (a coisa que eu quero muito é estar contigo, sabes? é que... tu fazes-me bem :$) basta fecharmos os olhos, e com muita força pensarmos naquilo que queremos, desejarmos assim... Até à exaustão, as coisas acontecem. Mas afinal estas coisas que nos diziam não passavam de mentiras. Tentei ser criança, tentei imaginar, e cá continuam as coisas, iguais ao que estavam. Sem tirar nem pôr. Vá, ao menos isto tenho a mínima certeza que vais ler, porque estou a escrever para ti. É que eu acho que tu não sabes, mas eu escrevo para ti. Tantas vezes. E há pessoas que lêem o que escrevo, e gostam, e quem me dera que tu lesses. Só porque sim. Nem precisavas de gostar, bastava-me que lesses.
Sabes? Tenho tantas palavras para te dizer. Imensas, mesmo. Posso começar por: "adoro-te, e a distância existente entre nós mata-me"? Só porque ficas tão mais bonita quando coras, quando ficas com essas pequenas faces rosadas. E ao mesmo tempo, eu vejo os teus olhos brilharem. E os meus vão atrás.

Carta

Querida pessoa,

Hoje escrevo-te porque ultimamente me tenho perdido no tempo. Como faço muitas vezes. Enfim, tu lês os meus textos, sabes como me prendo e perco nas coisas e pessoas muito facilmente.
Hoje em dia diz-se que só falamos com as pessoas quando precisamos delas, e é por isso mesmo que te escrevo. Porque preciso de ti. Na realidade, e vou ser sincero contigo, ultimamente têm sido poucas as pessoas com quem tenho contactado sem ser por necessidade. Mas a última vez que isso aconteceu foi algures no início das aulas, acho. Liguei (`)a Música, só porque me apetecia. Mas mesmo até com a Música, só tenho ido ao seu encontro por necessidade. Sabes quando precisas que te digam aquilo que precisas de ouvir, mas parece que ninguém tu quer dizer? A Música diz-me aquilo que preciso e que quero ouvir. Diz-me tudo, a Música. De Pink Floyd a Radiohead, passando por Audioslave, The Offspring e Soundgarden, parece que a Música tem sempre algo para me dizer. É como o livro dos porquês (olha para as margens do blog, está lá a dizer o que é o livro dos porquês). É que quando eu era pequenino, costumava, às vezes, abrir o livro numa página completamente aleatória e ler o que o livro tinha para me dizer. Era sempre uma coisa nova. Algumas coisas ele já me tinha dito, mas há coisas fascinantes que nos apetece ouvir novamente. Como a voz da Música. Fascina-me sempre, por mais vezes que a oiça.
Enfim, se reparares acabei já por desabafar imenso contigo. Tu sabes que as coisas comigo não andam bem. Entre problemas familiares (mãe), os outros problemas que são supostamente familiares (pai - curioso, ainda hoje espero por aquela chamada), até aos problemas amorosos (vá, quem não tem destes...)... Eu devo ser um íman. Só que é um íman que só atrai merda. Sempre a atrair problemas. Se é lógico que isto aconteça, juro que não percebo esta lógica (da treta -.-').
Enfim. Vou chegar finalmente ao ponto crucial da minha carta. Venho pedir-te um favor. Ultimamente tenho falado tanto sobre a minha vida, que me tenho esquecido que nem eu nem tu falamos da tua. Que achas de eu voltar a falar sobre ti? Posso falar outra vez sobre a tua vida? Contar-te mais histórias sobre ti, ou tu contares-me mais histórias sobre ti? Sinto falta de alguma coisa, talvez seja isso... Deixas?

Aguardo a tua resposta, com muita amizade me despeço,
João.
Aviso: há um texto em falta antes do que vou copiar para aqui hoje (copiar porque o texto foi escrito hoje, há algumas horas atrás).

É giro. A caneta agora não me escapa dos dedos. Acho que já sei o que aconteceu. A verdade, é que eu já não escrevia há muito tempo. Com escrever quero dizer em papel. Os últimos 20 mil textos que escrevi foram feitos premindo cuidadosamente umas quantas teclas, algumas infinitas vezes.
Estou na aula de Biologia. Tenho mais que fazer (prestar atenção e aprender uns pares de coisas) do que estar a escrever textos. Mas quando ponho os meus olhos a ver o mundo, parece que é obrigatório escrever alguma coisa. É a rapariga da camisola branca, que está à minha frente, que fala com o rapaz à sua direita de t-shirt roxa. É o rapaz à frente dela, de t-shirt cinzenta, que está a escrever uma mensagem a alguém. É a 'stora a explicar a matéria para as duas grandes mesas à sua frente ouvirem. E eu, cá atrás, de t-shirt azul, reparo que o rapaz que está à minha direita, de t-shirt vermelha, espreita para a folha onde estou a escrever. (olha, engraçado, a 'stora acaba de chamar o rapaz de t-shirt roxa à atenção, por estar na conversa. Ao que parece "o João está coma  voz mais grossa").
É giro. às vezes escrevo sobre tudo, outras sobre nada. É que a minha vida é como uma pedra: a única maneira de a alterares é atirando-a a uma parede ou ao chão, e ela parte-se. Divide-se. E ainda assim, foi porque alguém a agarrou e largou, alguém que não eu, porque a vida é minha e as pedras não têm vontade própria.
Por favor, se queres moldar a minha vida, não a partas, como tantas outras pessoas fizeram. Derrete-a.

terça-feira

Hoje estava a precisar de escrever. Sei lá, precisava de deixar fluir algumas palavras. Estas que escrevi até agora são só palavras colaterais. Palavras que me tive de pôr a escrever só para explicar o porquê das palavras que vêm em seguida. Palavras que o meu cérebro seleccionou cuidadosa e instantaneamente. Instantaneamente como o crescimento da relva lá na Rodrigues Lobo, que aquilo a semana passada estava tudo castanho e hoje estava tudo verde (e com um tamanho considerável).
Hoje estive a pensar. Na minha vida, sabem? Estive a pensar em todos os obstáculos que se nos atravessam à frente, em todas as rampas que subimos, em todas aquelas pequenas coisas que às vezes pisamos por não as vermos (dah, elas são pequenas, ya?). Estive um quanto tempo a pensar nisso. A par e passo, fui fingindo que prestava atenção a aulas, que respondia a perguntas, que fazia exercícios. Que corria, que saltava à corda. Que ouvia conversas. Que ouvia as vozes dirigidas aos meus ouvidos. Passei um dia de fingimento. Mas chego ao fim do dia e deixo a mentira. Admito. Admito tudo. Admito que apesar de não parecer estava distraído, ausente, distante. Fui numa daquelas minhas viagens à lua, em que só levo a cabeça, e ela lá fica, a pairar no nada. Porque... Sejamos racionais? O que é que existe ali? Nada! A única coisa que podes fazer lá, é olhar para o mundo, ver como ele é bonito e imaginar as pessoas de quem tu gostas, com quem te preocupas, do tamanho de uma formiga, marcados com uma cor qualquer. Sei lá, se quiseres pode ser vermelho. Da cor do gostar. E vês as pessoas movimentarem-se cá em baixo de lá de cima, e queres tocar-lhes, abraçá-las, falar e rir com elas, mas não podes. Porque o tempo não deixa.
A vida é tão lixada, pá, já viste? Queres ser o dono do mundo, queres que o mundo real seja o teu mundo, e não pode ser. Se o mundo real fosse meu, toda a gente era escritora. Só porque eu queria. Porque escrever faz bem, e eu gosto de ver as pessoas de quem gosto e com quem me preocupo bem. E quero ver-te bem. E está frase dirige-se a todas as pessoas com quem alguma vez já me preocupei, de quem já alguma vez gostei. E este gostar não se restringe a amar. Quer dizer, restringe, se tu fores como eu e acreditares que "amizar" é uma forma de amar.
Sabes? A vida é como um bocado de plasticina. Todos lhe metem a mão, mas só os mais ágeis, só os mais perspicazes são capazes de a agarrar, segurar e moldar ao seu gosto. Era bom que o mundo também fosse assim. Era demasiado bom.

segunda-feira

Às vezes tomamos as pessoas como certas. Não só as pessoas, também as coisas. Sempre tomaste o teu carro como uma coisa certa. Tu giravas o volante para a esquerda, ele reagia contigo, virava para a esquerda. Tu giravas o volante para a direita, ele reagia contigo, virava para a direita. Mas hoje, parecia que não eras só tu que estavas bêbado. Tu não te lembras de o ter visto ao teu lado, no bar, juras que não te lembras. Bem, talvez tenha sido gasosa a mais.
Mas pedes ao teu carro para fazer o 4, para o testares. E ele, para grande espanto teu, cai. Bem, não cai realmente, mas vai contra o carro que está na faixa contrária. E tu tens um acidente. E és levado para o hospital.
Já no hospital, tomas as coisas como certas. Dizes a ti mesmo que vais morrer, e que nunca mais irás ter a tua filha nos teus braços. E adormeces. De repente. Fechas os olhos e perdes a força.

Abres os olhos. Procuras o telemóvel. Está desligado, sem carga. Viras-te para o lado e perguntas ao senhor da cama ao lado:
- Desculpe, que dia é hoje?
Ele responde-te. Passaram 4 dias. Não sentes uma das pernas. Levantas o lençol e, por momentos, assustas-te. Mas fica tudo bem. A tua perna continua lá. Só que envolvida em gesso. A tentar sarar. Como se fosse o caule de uma folha.
Mas tu queres passar os pormenores à frente. Porque este é o capítulo mais difícil da tua vida. Porque tu sabes, a tua vida acaba. Como se fosse uma trilogia. E sabes, uma trilogia só tem três livros, e este é o último.
Pegas no carregador do teu telemóvel (alguém o deixou lá). Chamas uma enfermeira, e pedes que o ligue a uma ficha perto da cama. Ligas o telemóvel, e ligas para a tua ex-mulher. Estás à espera de lhe exigires que passe o telemóvel à tua filha. Alguém do outro lado atende e chama-te por "papá". Ficas feliz. E tudo está bem.
7 meses depois. Já estás recuperado, já começas a correr junto ao rio à noite, como fazias dantes, e a audiência final é agora. Hoje. Estás nervoso. Achas que não vais conseguir ter a tua menina para ti. Achas que não vais ter aquilo que mereces, por direito. Aquilo que é teu, por direito. Mas eis que o veredicto final chega. E o facto de a tua filha ter dito que queria viver contigo sai a teu favor.
Festejas. Sorris. Ris. Abraças a tua filha, agradeces ao teu irmão (que é também teu advogado, mas tu neste momento olhas para ele apenas como irmão).
Subitamente, olhas para a tua ex-mulher. Sim, está mesmo a acontecer. A tua ex-mulher está a chorar, coisa que já não acontecia há 500 anos, para aí desde que a tua filha nasceu. Talvez ela não seja assim tão má pessoa...
E olha. Ironia do destino. Sais do Tribunal, dizes à tua filha para esperar por ti com o tio, que tu vais buscar o carro para irem para casa. Olhas para um lado da estrada, olhas para o outro. Os teus olhos só vêem coisas boas e felizes. E passadeiras, onde elas não existem. E não vêem carros a aproximarem-se de ti, perigosamente.

A tua vida acaba agora, descrita em palavras. E tu não sabes porquê, nem nunca saberás. Só sabes que ainda tinhas tanto para viver. Ao lado daquilo que é teu. Ao lado das pessoas que mais amas no mundo. Ao pé da tua filha.

Dedicado à Ana e ao Miguel.
Esta mensagem foi publicada em simultâneo no blog Corações Par-tidos, que encerra hoje a sua longa jornada.

Olá a todos. Hoje deixo uma parte de mim intacta, para sempre. Bem, talvez não seja para sempre. Na realidade, pode ser que um dia me farte de ver aquilo por ali e decida... puxar o autoclismo. Talvez um dia me apeteça desfazer-me de tantas outras histórias da minha vida, partes de mim, de vocês. Talvez um dia eu me farte daquilo que fui, que aconteceu, que um dia fez algum significado.
Hoje, despeço-me de todos. Não se desiste de escrever. Os escritores não são como os futebolistas. Não há idade para um "artesão" se retirar da escrita. Não é nem possível nem concebível que um escritor diga: nunca mais irei escrever. "Nunca digas nunca", diz o povo. E essa frase faz tanto sentido no mundo, na vida de um escritor.
Mas a verdade, é que hoje digo-vos: nunca mais. Nunca mais irei escrever. Nunca mais irei escrever naquele blog. Nunca mais vou reacender aquele passado.
Eu sei, isto parece muito "what the fuck? Então o tipo decide, assim do nada, desistir de escrever naquelas páginas?". Pois bem. Já há muito que aquelas eram apenas páginas do passado, há muito que deixaram de ser páginas do presente. E eu já só (e muito muito de vez em quando) releio uma ou outra página do passado. Só assim muito de vez em quando.
E agora aparece o David Gilmour e canta (não escreveu, isso foi o Roger Waters):
"So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skys from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?"
 
Não. Não consigo. Mas tu consegues. E eu hoje apenas me apercebi que aquele é um capítulo acabado da minha vida. E apercebi-me disso graças à tua ajuda. Tanto a tua como a do Roger. Obrigado aos dois.
E cá está. O blog Corações Partidos, partiu. Já não está mais entre nós. Hoje, já só restam as memórias.